A um tempo atrás eu e meu amigo Márcio Bertoli resolvemos alugar um espaço para dar vasão às nossas experiências profissionais, tentar novos negócios, fazer arte, e por fim, e não menos importante, ganhar dinheiro. O lugar? MARAVILHOSO. Na belíssima casa onde funciona o Estúdio de Arte Botteri. Lá alugamos uma sala só pra gente, mas aproveitávamos todo espaço que a casa oferecia, sala de estar, cozinha, sala de aula.
Foram meses muitos interessantes, não saiu muito trabalho de lá não, mas lá no fundo isso parecia menos importante....a paz que aquela casa nos proporcionava era gigantesca.
Da janela observava a pacata rua Santo Antônio, no Bairro Rebouças. Um certo dia chegou um mendigo e se acostou do outro lado da rua, na calçada. Ficou lá toda a tarde, um copo de café, cigarros, e olhos para o mundo. Seus movimentos eram poucos. Aquele cara, não sei porque, me impressionou.
Todos os dias seguintes ele estava lá. Usava uma jaqueta de couro, calças escuras, um tipo de botina dessas de chão de fábrica, cabelos e barba grande. O cara tinha estilo. Todos os dias eu o observava, a rotina era simples. Ficava semi-deitado, com a cabeça encostada na parede, copo de café do lado e fumando seus cigarros. Não incomodava ninguém e pelo visto não era incomodado.
Fui criando uma certa simpatia pelo cidadão. De vez em quando alguém dava uma moeda ou algum trocado e ele se levantava, caminhava até a padaria da esquina e voltava com mais um café, ás vezes um pão, e cigarros. Sentava novamente e ali ficava. Era assim, todo dia.
Comecei a sentir um certo tipo de inveja do cara. Ele não tinha ambições, parecia um urso hibernando, sabendo que não podia sair caminhando por ai gastando energia já que não teria dinheiro para se alimentar direito e repor o que foi perdido.
Resolvi que queria fazer contato e sempre que saía para almoçar passava ao seu lado. No começo tentei aquele cumprimento normal e rápido de balançar a cabeça. Não me achava no direito de chegar conversando e perguntando coisas. Várias vezes não retribuiu o cumprimento, mas eu sabia que ele já me conhecia. O cara era um observador nato. Passado uns dias, eu saindo do estúdio ele olhou pra mim e me cumprimentou, até acenou com a mão. Retribuí e fui almoçar contente, como alguém que reencontra a esperança. Na volta do almoço resolvi pegar uma fruta que tinha direito (banana) e dar pra ele. Chegando perto, peguei a fruta e ofereci, ele nem olhou na minha cara, só esticou o braço, pegou e colocou do lado dele. Continuei meu trajeto.
No dia seguinte fiz a mesma coisa e ele me cumprimentou: "Tudo bom? Tem um trocadinnho pro café?"
Eu tinha e obviamente contribuí. Na minha imaginação ele gostava da vida que levava e quem era eu para atrapalhar.
E os dias continuaram assim, bananas, trocas rápidas de palavras, e às vezes uma moeda para um cafezinho. Até que saí do estúdio e não voltei mais a vê-lo por um bom tempo. Pensei que tinha ido embora ou algo ruim acontecido. Mas dia desses, depois de um ano, andando de bicicleta, observei a figura, deitada naquela posição, mesma roupa, porém cabelos e barba bem maiores. Continuei meu trajeto, dessa vez de bicicleta, sem conversas rápidas, sem bananas, mas feliz. A vida continua.